
A Agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS) é um quadro político global que busca aumentar os papéis, direitos e proteção das mulheres em processos de conflito e paz. Lançada na virada do século XXI pelas Nações Unidas, reconhece que conflitos armados afetam mulheres e meninas de forma única e que a inclusão das mulheres é vital para uma paz duradoura. Nas últimas duas décadas, a agenda MPS cresceu para se tornar um amplo movimento internacional envolvendo resoluções da ONU, planos de ação nacionais e iniciativas de base. No entanto, também foi criticada por alguns acadêmicos, e ainda existem lacunas em sua implementação. Por causa disso, há uma necessidade de ação internacional renovada em favor dos papéis das mulheres em questões de paz e segurança internacionais.
Resumo
- A agenda MPS é um quadro, dentro das Nações Unidas, para enfatizar a proteção das mulheres em tempos de guerra, a prevenção da violência baseada em gênero e a participação das mulheres nos esforços de paz.
- Originou-se de décadas de ativismo das mulheres, notadamente o apelo da Conferência de Pequim de 1995 para abordar questões femininas relacionadas a conflitos armados.
- Seu início pode ser rastreado até a Resolução 1325 do Conselho de Segurança da ONU, de 2000, que reconheceu os papéis das mulheres nos esforços de paz e segurança.
- Desde 2000, o Conselho de Segurança da ONU adotou várias resoluções expandindo a Agenda MPS, e mais da metade dos estados membros da ONU criaram Planos de Ação Nacionais para implementá-la localmente.
- No entanto, críticos observam desafios como o caráter ocidental da Agenda MPS, a securitização de questões femininas, a inclusão superficial de mulheres em iniciativas de paz (tokenismo) e a falta de esforços suficientes para abordar a desigualdade entre mulheres — por exemplo, entre aquelas de diferentes nacionalidades, etnias ou classes sociais.
O que é a Agenda MPS?
A agenda Mulheres, Paz e Segurança representa uma abordagem transformadora nas relações internacionais que vincula a igualdade de gênero à paz e segurança globais. Em sua essência, a MPS reconhece que as mulheres foram historicamente marginalizadas nas negociações de paz e nas instituições de segurança, e busca corrigir isso garantindo a participação plena e significativa das mulheres nos processos de paz e na resolução de conflitos. Também enfatiza a proteção de mulheres e meninas da violência endêmica que frequentemente acompanha a guerra — especialmente a violência sexual — e sua prevenção por meio de alerta precoce e medidas de responsabilização. Em essência, a MPS visa reformar os esforços de paz e segurança para serem mais inclusivos e eficazes, integrando metade da população mundial nas decisões de guerra e paz.
A agenda nasceu de uma longa defesa por ativistas e organizações de direitos das mulheres em todo o mundo. Um catalisador chave foi a Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher em Pequim, em 1995, onde os governos se comprometeram a aumentar o papel das mulheres na tomada de decisões sobre paz e segurança (a Plataforma de Ação da conferência incluía “Mulheres e conflitos armados” como uma de suas áreas críticas). Esse consenso global estabeleceu uma base importante, mas foram necessários mais cinco anos — e lobby adicional — para levar a questão diretamente à agenda do Conselho de Segurança da ONU. Em outubro de 2000, sob a presidência da Namíbia e com forte apoio de Bangladesh e outras nações, o Conselho de Segurança adotou por unanimidade a Resolução 1325. Este foi um momento decisivo: pela primeira vez, o mais alto órgão de segurança do mundo reconheceu formalmente a importância crítica da participação igualitária das mulheres na manutenção da paz, na construção da paz e na recuperação pós-conflito, e a necessidade de proteger os direitos das mulheres durante o conflito. A Resolução 1325 instou os Estados Membros da ONU e todas as partes em conflito a tomar ações específicas — desde incluir mais mulheres nas mesas de negociação até treinar pessoal de manutenção da paz em sensibilidade de gênero — lançando assim o que hoje chamamos de agenda MPS.
Os pilares da MPS
A Agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS) se baseia em quatro pilares principais que fornecem um plano abrangente para tornar os processos de paz e as políticas de segurança mais sensíveis ao gênero e inclusivos:
- Participação: Significa garantir a presença igualitária das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão — seja em negociações de paz, na liderança de operações de paz ou na reconstrução da governança dentro de um país após a guerra.
- Proteção: Refere-se à salvaguarda dos direitos humanos de mulheres e meninas, especialmente contra a violência sexual e baseada em gênero em zonas de conflito, e garantir sua segurança física e dignidade.
- Prevenção: Envolve prevenir a violência contra mulheres e meninas (incluindo violência sexual relacionada a conflitos) e prevenir o próprio conflito, abordando a desigualdade de gênero como uma causa raiz da instabilidade — um reconhecimento de que sociedades com menos desigualdade de gênero são menos propensas a recorrer à guerra.
- Assistência e Recuperação: Significa incorporar perspectivas de gênero na ajuda humanitária, campos de refugiados e reconstrução pós-conflito, para que as necessidades das mulheres (desde cuidados de saúde até segurança econômica) sejam atendidas e as mulheres sejam empoderadas nos esforços de recuperação.
A implementação da MPS
A agenda MPS é implementada por meio de uma mistura de mecanismos internacionais e nacionais. No nível internacional, o Conselho de Segurança da ONU aprovou outras resoluções reforçando e expandindo os compromissos da Resolução 1325. Essas resoluções abordaram questões como a violência sexual na guerra como tática de terror (Resolução 1820 em 2008), melhorando a participação das mulheres na governança pós-conflito (Resolução 1889 em 2009) e vinculando a MPS aos esforços de contraterrorismo (Resolução 2242 em 2015), entre outros tópicos. No nível nacional, mais da metade dos países membros da ONU criaram Planos de Ação Nacionais (PANs) para localizar os compromissos da MPS. Esses planos descrevem como cada governo — muitas vezes em colaboração com a sociedade civil — aumentará o papel das mulheres na paz e segurança e protegerá os direitos das mulheres internamente. Por exemplo, em 2019, mais de 80 países haviam adotado PANs, e em meados de 2023 esse número aumentou para mais de 100 países. Muitos países estão agora em seus PANs de segunda ou terceira geração, o que reflete sua ambição crescente em colocar a agenda em prática.
Graças às ações da ONU e nacionais, a agenda MPS não ficou confinada aos corredores da ONU — ela levou a mudanças reais no terreno. Por exemplo, numerosas negociações de paz nos últimos anos viram maior envolvimento de mulheres mediadoras ou delegadas devido à pressão normativa da Resolução 1325 do CSNU. Países como as Filipinas envolveram mulheres em níveis seniores na negociação de um acordo de paz de 2014, amplamente visto como contribuindo para um acordo mais duradouro. Na Libéria, o ativismo pela paz das mulheres foi instrumental para acabar com a guerra civil em 2003 e foi posteriormente reforçado por quadros da MPS que apoiaram a participação das mulheres na reconstrução. Mesmo em zonas de conflito em andamento, a presença de mulheres mantenedoras da paz e policiais (embora ainda minoria) melhorou as relações comunitárias e os resultados de proteção, alinhando-se aos princípios da MPS. A agenda também estimulou a criação de redes regionais (como a rede de mulheres mediadoras da União Africana) e a defesa regular da sociedade civil nos debates anuais da MPS no Conselho de Segurança, responsabilizando os líderes globais pelo progresso.
Os desafios relacionados à Agenda MPS
Apesar de promover avanços em questões femininas relacionadas à paz e segurança, a Agenda MPS tem sido alvo de alguns críticos que apontam inadequações tanto em seus princípios quanto em sua implementação.
De acordo com perspectivas pós-coloniais, a agenda muitas vezes reflete ideias feministas liberais ocidentais que podem não ressoar totalmente em contextos não ocidentais ou podem ter pouca eficácia neles. Acadêmicos apontam que, embora as nações ocidentais defendam a MPS, às vezes o fazem sem consultar adequadamente ou empoderar as mulheres no Sul Global, cujas experiências de conflito podem diferir muito. Além disso, há a preocupação de que países poderosos possam usar a retórica da MPS para justificar intervenções militares em nome de “salvar” mulheres — uma dinâmica que alguns chamam de “crítica da paz liberal”. Essa crítica alerta contra a mera inserção de mulheres em estruturas militares e de manutenção da paz existentes sem desafiar o militarismo subjacente ou os desequilíbrios de poder dessas estruturas.
Outra questão lamentada por alguns especialistas é a tendência crescente de securitização das questões femininas. Eles argumentam que, em vez de focar na paz, as discussões sobre MPS muitas vezes se concentram estritamente em medidas de segurança, como o envio de mulheres soldados, oficiais de inteligência ou pontos focais de gênero. Embora o aumento da participação feminina nos esforços de construção da paz seja benéfico, enfatizar demais isso pode minar o aspecto holístico da MPS. Assim, deve-se ressaltar que a intenção original da agenda sempre foi sobre prevenir e acabar com conflitos, em vez de meramente torná-los mais seguros para mulheres e meninas.
Além disso, críticos observam que a agenda MPS às vezes trata as mulheres como um grupo homogêneo, enfatizando as mulheres como vítimas ou como inerentemente pacíficas, sem levar em conta a diversidade entre elas. Uma mulher africana em uma zona de conflito rural, uma jovem de uma minoria indígena ou uma pessoa LGBTQ+ em uma sociedade devastada pela guerra podem ter experiências e necessidades muito diferentes que uma abordagem única não contempla. Pesquisadores mostraram que as políticas e os PANs da MPS raramente mencionam fatores como raça, orientação sexual ou deficiência, o que significa que certos grupos de mulheres (ou minorias de gênero) permanecem invisíveis e desassistidos. A pressão por abordagens interseccionais da MPS está crescendo, para garantir que nenhuma mulher ou menina afetada pelo conflito seja deixada para trás devido ao enquadramento estreito de “mulheres” na agenda.
Mesmo que essas questões conceituais fossem tratadas, a implementação da Agenda MPS também enfrenta vários desafios. Um deles é que o progresso tem sido lento e desigual. Embora os compromissos globais sejam elevados, as mulheres ainda permanecem sub-representadas em muitos processos de paz e instituições de segurança. Como o próprio CSNU observou em 2019, existem “barreiras persistentes” para a implementação completa da Agenda Mulheres, Paz e Segurança — incluindo a sub-representação das mulheres nos processos de paz e financiamento insuficiente para realizar iniciativas da MPS.
Além disso, há preocupação com o “tokenismo” na implementação da agenda. Algumas instituições podem adicionar uma mulher ou um conselheiro de gênero a uma equipe apenas para mostrar adesão à Agenda MPS, sem realmente empoderá-los ou ouvir suas opiniões. Essa conformidade superficial com a Resolução 1325 do CSNU e os Planos de Ação Nacionais é prevalente em certos lugares, e faz pouco para mudar o domínio masculino entrincheirado na tomada de decisões sobre paz e segurança.
Finalmente, a falta de dados sobre o envolvimento feminino nos esforços de paz também representa desafios. Bons dados são essenciais para acompanhar o progresso na implementação da agenda MPS — por exemplo, saber quantos negociadores de paz são mulheres ou quantas mulheres acessam serviços de assistência. No entanto, na ausência de tais dados, podemos não ver onde as mulheres são excluídas ou qual o impacto que as iniciativas da MPS estão tendo. Por causa disso, grupos da sociedade civil frequentemente tiveram que preencher o vazio deixado pelos governos, por meio da coleta de evidências das experiências das mulheres durante tempos de conflito e seus papéis nos esforços de paz.
Conclusão
A Agenda Mulheres, Paz e Segurança (MPS) é um marco nas relações internacionais. Tem conexões tanto com o movimento pela igualdade de gênero quanto com o setor de paz e segurança. Surgiu do reconhecimento de que a paz sustentável é inatingível quando metade da população é excluída ou vitimizada. Através de seus pilares fundamentais, das resoluções da ONU e dos Planos de Ação Nacionais, o quadro da MPS se esforça para transformar a forma como o mundo aborda os conflitos. Em última análise, seu objetivo é abordar as dificuldades únicas que as mulheres enfrentam na guerra e tornar os processos de paz mais inclusivos, aproveitando as contribuições frequentemente negligenciadas das mulheres para a resolução de conflitos. A agenda alcançou impactos normativos e práticos significativos. Ao mesmo tempo, realizar todo o seu potencial continua sendo um trabalho em andamento. Superar as críticas — seja sobre viés ocidental, securitização ou falta de inclusão — será crucial para fortalecer a MPS no futuro.
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