No direito internacional, o reconhecimento de governo é o ato pelo qual um Estado reconhece a existência de um novo regime em outro Estado. Este ato envolve decidir se um novo governo controla efetivamente o Estado, honra as obrigações internacionais e adere às normas peremptórias do direito internacional. Este reconhecimento pode ser explícito ou implícito através de ações diplomáticas e tratados. Várias doutrinas, como as doutrinas Tobar, Betancourt e Estrada, oferecem critérios e filosofias diferentes para o processo de reconhecimento. No entanto, este processo é inerentemente político, frequentemente refletindo a discricionariedade do poder executivo dos Estados e a dinâmica mais ampla das relações internacionais.
O Que é o Reconhecimento de Governo?
No direito internacional, o reconhecimento de um governo é o ato unilateral pelo qual um Estado formalmente reconhece que um novo regime chegou ao poder em outro Estado. Este cenário surge particularmente quando uma convulsão política, como uma revolução ou um golpe de Estado, perturba a ordem constitucional de uma nação, ou quando um governo só consegue controlar uma parte do território de um Estado. Isto é distinto de reconhecer uma mudança de governo que adere aos procedimentos constitucionais ou quando o próprio governo incumbente orquestra um golpe para permanecer no poder. Nesses casos, o reconhecimento é considerado automático e não requer um ato formal.
Reconhecer um novo governo difere significativamente de reconhecer um novo Estado. O primeiro não altera a identidade ou o status legal de um país, mas significa uma mudança na autoridade administrativa do referido país. No entanto, ambos os reconhecimentos podem ocorrer ao mesmo tempo, como quando um Estado surge. Por exemplo, os Estados Unidos e o Reino Unido reconheceram Israel ao reconhecer seu governo de facto, implicando o reconhecimento do próprio Estado.
Um Estado não pode ser compelido a reconhecer o governo de outro Estado — ao contrário, ele tem a liberdade de decidir se o faz ou não. Além disso, o reconhecimento de um governo nem sempre precisa ser explicitamente declarado. Ele pode ser implícito através de certas ações e circunstâncias, com base na intenção do Estado que estende o reconhecimento. Isso significa que um Estado pode reconhecer implicitamente um governo ao agir de uma maneira específica, mesmo sem fazer uma declaração formal. Estas são algumas circunstâncias em que o reconhecimento pode ser implícito e suas exceções:
- Manter relações diplomáticas formais com um Estado após uma mudança de governo implica reconhecimento. No entanto, manter contatos informais e não oficiais, como aqueles entre os Estados Unidos e a China Comunista nas décadas de 1960 e 1970, não implica.
- Emitir um exequatur consular para um representante de um governo não reconhecido geralmente equivale a reconhecimento, embora haja exceções. Por exemplo, o Reino Unido opera um consulado em Taiwan sem reconhecer seu governo.
- Concluir um tratado bilateral ou participar de um tratado multilateral junto com o novo governo de um Estado pode implicar reconhecimento. No entanto, existem vários acordos entre governos que não se reconhecem, entre os quais a Carta das Nações Unidas.
Os Estados tipicamente preferem manter o controle sobre o ato de reconhecimento e evitar que ele seja inferido de suas ações. Eles geralmente favorecem atos formais de reconhecimento, feitos após uma consideração cuidadosa. Cada situação requer uma análise detalhada para determinar se o reconhecimento é implícito.
Para evitar o reconhecimento não intencional, os Estados podem declarar explicitamente que certas ações não devem ser interpretadas como reconhecimento de outro Estado ou governo. Por exemplo, os países árabes mantiveram essa postura em relação a Israel. Essa abordagem evita o reconhecimento implícito, mas indica que, sem uma declaração clara, algumas ações internacionais podem resultar no reconhecimento de uma entidade.
Critérios para Reconhecimento
Existem três critérios principais que devem ser atendidos para que um governo seja reconhecido:
- Controle efetivo: O reconhecimento não deve ser negado se o novo governo controla efetivamente o país, e este controle parece provável de continuar. Isso significa que o governo deve controlar as instituições do Estado e não deve enfrentar resistência armada significativa da população em partes substanciais do território. O Reino Unido usou essa abordagem, como no reconhecimento do governo comunista da China e do governo apoiado pelos soviéticos na Hungria em 1956.
- Conformidade com Obrigações Internacionais: Espera-se que o novo governo honre as obrigações internacionais de seu predecessor, pois embora o governo tenha mudado, o Estado permaneceu o mesmo. No entanto, o novo governo pode renegociar as obrigações internacionais do Estado.
- Não violação do jus cogens: O novo governo não deve ter chegado ao poder por meio da violação das normas peremptórias do direito internacional, também conhecidas como jus cogens. Quando um governo derruba outro enquanto viola tais normas, essas violações são consideradas importantes demais para serem ignoradas pela comunidade internacional.
Quando um governo não é reconhecido, geralmente significa que ele não cumpriu os critérios para reconhecimento sob o direito internacional.
As Doutrinas Tobar, Betancourt e Estrada
Na América Latina, surgiram duas doutrinas sobre o ato de reconhecer um governo. Elas se preocupam em impor critérios adicionais para o ato de reconhecimento, a fim de garantir a estabilidade política dos países:
- Doutrina Tobar: Foi proposta pelo ex-Ministro das Relações Exteriores do Equador, Carlos Tobar, que afirmou que governos que não têm legitimidade popular não devem ser reconhecidos. Esta doutrina visava reduzir a frequência de golpes de Estado na América Latina, e tem sido amplamente utilizada pelos Estados Unidos em suas relações diplomáticas com os países ao redor do Canal do Panamá.
- Doutrina Betancourt: Foi proposta pelo ex-Presidente venezuelano Rómulo Betancourt, que defendia a não-reconhecimento de governos não democráticos. Esta doutrina visava desencorajar governos regionais de instituir regimes autocráticos ou ditatoriais que violassem os direitos do povo.
O problema com essas doutrinas é que os Estados são amplamente livres para aplicar suas próprias interpretações de legitimidade ou democracia. Estes são critérios extremamente subjetivos que podem levar a julgamentos tendenciosos pelos Estados reconhecedores, potencialmente influenciados por seus interesses.
Em oposição a Tobar e Betancourt, o ex-Ministro das Relações Exteriores do México, Genaro Estrada, propôs o que veio a ser conhecido como a Doutrina Estrada. Segundo esta, a única entidade responsável por determinar a legitimidade ou o caráter democrático de um governo é a população por ele governada. Portanto, recusar-se a reconhecer um governo equivale a uma intervenção nos assuntos internos de tal Estado. Por isso, Estrada acreditava que todos os governos deveriam ser automaticamente reconhecidos — ou seja, o ato formal de reconhecimento não precisava ocorrer, pois era sempre implícito. Se um Estado acreditasse que um governo era ilegítimo ou não democrático, o máximo que poderia fazer era cortar relações diplomáticas com o Estado controlado por tal governo. No entanto, essa doutrina é impraticável, particularmente porque impede o ato de reconhecer apenas um governo dentre vários que buscam tal reconhecimento dentro de um Estado. Por exemplo, em 2019, Juan Guaidó proclamou-se o legítimo presidente da Venezuela enquanto Nicolás Maduro continuava a governar efetivamente o país.
Atualmente, o direito internacional consuetudinário permite o reconhecimento de governos, seja de forma explícita ou implícita, desde que os países se abstenham de interferir nos assuntos internos de outro Estado. Esta abordagem moderna busca um equilíbrio entre reconhecer novos regimes e respeitar a soberania e autodeterminação das nações.
Os Aspectos Políticos do Reconhecimento
O reconhecimento de um governo é um ato fundamentalmente político. Por isso, é reservado ao poder executivo dos Estados. Isso significa que o poder legislativo e o judiciário têm que aceitar a discrição do executivo e dar efeito às suas decisões. Além disso, o ato de reconhecer um governo frequentemente sucumbe a deliberações políticas em vez de regras estritas:
- Existem governos que efetivamente ganharam controle de um Estado, mas que não foram reconhecidos por outros. Por exemplo, durante a Guerra Fria, o Reino Unido nunca reconheceu o Vietnã do Norte ou a República Democrática Alemã (Alemanha Oriental). Até hoje, os britânicos ainda não reconhecem o regime norte-coreano.
- Existem governos que se recusaram a cumprir as obrigações internacionais de um Estado, mas ganharam aceitação internacional de qualquer maneira. Um exemplo foi a ascensão do governo bolchevique na Rússia, em 1917. No início, o novo regime se recusou a honrar dívidas anteriormente contraídas, então vários países se recusaram a reconhecê-lo. Com o tempo, os bolcheviques eventualmente ganharam reconhecimento internacional — incluindo pelos Estados Unidos, mais de uma década depois, em 1933.
- Existem governos que chegaram ao poder por meio de graves violações do direito internacional peremptório, mas foram eventualmente reconhecidos de qualquer maneira. Por exemplo, o Khmer Vermelho tomou o poder no Camboja em 1975 enquanto era responsável por um genocídio e várias outras violações de direitos humanos. Apesar disso, este regime foi reconhecido por alguns Estados, e seus representantes continuaram a ocupar o assento do Camboja nas Nações Unidas até 1993.
Além disso, embora o reconhecimento de um governo não dependa de sua legitimidade popular ou ser democrático, a falta desses elementos complica a questão politicamente. Como regra geral, os países geralmente relutam em reconhecer oficialmente governos que não respeitam o estado de direito. No entanto, relações não oficiais, informais ou, talvez, secretas não são incomuns. Tradicionalmente, esse tem sido o caso durante guerras, como a Guerra do Vietnã, quando os Estados Unidos mantiveram negociações com o Vietcong, embora não reconhecendo seu controle sobre o território vietnamita.
Outro problema é que o reconhecimento de um novo governo pode implicar que um Estado o aprova. Para evitar esse problema, tanto os Estados Unidos quanto o Reino Unido declararam que iriam desestimular o reconhecimento de mudanças de governo, focando-se em vez disso em manter ou não relações diplomáticas com o Estado do novo governo. Essa política, afirmando que as relações não implicam aprovação ou desaprovação, visava simplificar as interações com novos governos e evitar a condescendência com violações de direitos humanos que esses governos possam ter cometido. Outros países, incluindo Bélgica, França, Austrália e Canadá, adotaram abordagens semelhantes.
Efeitos Legais do Reconhecimento
O ato de reconhecer um novo governo significa a aceitação de uma situação específica pelo Estado que concede o reconhecimento, e este ato traz repercussões legais:
- O ato de reconhecimento é retroativo: Aplica-se a ações e situações que ocorreram antes que o reconhecimento fosse oficialmente concedido. Na prática, isso significa reconhecer que o governo estava no comando de um determinado país o tempo todo, mesmo antes do Estado reconhecedor formalmente dizer que estava.
- O ato de reconhecimento é irrevogável: Só pode ser retirado se o novo governo em si for derrubado.
- O ato de reconhecimento abre caminho para a concessão de privilégios e imunidades: O Estado reconhecedor deve conceder privilégios e imunidades soberanas, diplomáticas e consulares aos representantes do novo governo dentro da ordem jurídica doméstica.
Conclusão
No direito internacional, o reconhecimento de governo é um processo complexo que reflete tanto os princípios legais quanto as realidades políticas. Ele ocorre quando uma mudança administrativa inconstitucional acontece dentro de um Estado, e essa mudança é reconhecida por outros Estados — seja explicitamente ou implicitamente. Em teoria, o ato de reconhecimento depende de certos critérios, mas considerações políticas geralmente prevalecem sobre eles, pois os Estados têm a liberdade de reconhecer governos conforme acharem adequado. Após o reconhecimento ser concedido, o Estado que o concedeu fica vinculado a uma série de efeitos legais, entre os quais o dever de não retirar o reconhecimento a menos que o governo reconhecido deixe de exercer controle efetivo sobre um país. Embora os países tenham evitado reconhecer explicitamente mudanças de governo em outros lugares, esse ato continua a ser parte do direito internacional atual.
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