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Discurso da China na ONU em 2023: Resumo e Análise

Discurso da China na ONU em 2023: Resumo e Análise
O vice-presidente da China, Han Zheng, discursando perante o Debate Geral da Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Imagem por UN Photo.

Em 21 de setembro de 2023, o vice-presidente da China, Han Zheng, discursou no Debate Geral da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York. Estes foram os pontos principais abordados em seu discurso:

  • O mundo enfrenta múltiplas crises: uma situação “sombria” em relação à segurança internacional, uma economia mundial que carece de impulso, e uma crescente desigualdade econômica. Para enfrentar essas crises, Xi Jinping defendeu o multilateralismo e propôs iniciativas globais nos temas de segurança, desenvolvimento e civilização.
  • Em termos de segurança, a China entende que “as preocupações legítimas de segurança de todos os países” devem ser atendidas. Por exemplo, são necessárias conversas de paz na Ucrânia, a questão palestina deve ser resolvida mediante a criação de dois Estados, sanções a países não devem ser impostas unilateralmente, e armas nucleares não devem ser utilizadas.
  • Quanto ao desenvolvimento, a China acredita na cooperação win-win, pela qual todos têm algo a ganhar. Já se passaram dez anos desde o início da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), e mais de 3000 projetos de cooperação foram lançados em seu âmbito. Além disso, embora a China acredite que os países desenvolvidos devam fazer mais para implementar o Acordo de Paris, ela mesma também contribuirá para projetos verdes.
  • Em temas civilizacionais, a China defende os direitos humanos — mas os vê dependentes das “histórias, tradições e condições” de cada país. Esses direitos não devem ser instrumentalizados como ferramenta política para interferir nos assuntos domésticos de outros países. Na verdade, segundo Zheng, “garantir uma boa vida às pessoas é o maior direito humano”.
  • A China deseja modernizar-se e dar prosperidade para todos os chineses. Ela fará isso abrindo-se mais para o mundo, mantendo uma política externa independente, salvaguardando sua integridade territorial (ou seja, reunificando-se com Taiwan) e compartilhando aspirações com o Sul Global.

Análise do Discurso

Como o principal líder da China, Xi Jinping, não viajou até Nova York, ele foi representado pelo vice-presidente Han Zheng, que seguiu a linha do Partido Comunista Chinês (PCC). Zheng disse poucas palavras — discursando por menos de 15 minutos —, mas elas deixaram entrever como o PCC vê a ordem mundial.

Embora a China dependa do comércio com os Estados Unidos, ela tenta manter uma política externa “independente”. Não há maior contradição a isso do que a postura chinesa sobre a segurança internacional. O PCC sonha em reincorporar Taiwan, um aliado dos EUA com um alto grau de autonomia de Pequim desde 1949, e tenta equiparar esse sonho aos interesses de outros países. É por isso que Zheng disse que “as preocupações legítimas de segurança de todos os países” devem ser atendidas. Por exemplo, não é que a China aprove a anexação da Ucrânia. Assim como a Rússia desaprova a presença da OTAN perto de suas fronteiras, os chineses não estão dispostos a permitir que uma ‘província rebelde’ do país mantenha a sua autonomia e os seus laços com o Ocidente.

É verdade que a China busca integrar-se mais profundamente ao mundo. Mas a abertura da economia chinesa e as propostas para projetos multilaterais não devem ser vistos como meros atos de boa vontade. Na verdade, quando o PCC afirma que está se abrindo para investidores estrangeiros, parece uma tentativa de atrai-los em um momento no qual muitos países querem reduzir os investimentos na China. Da mesma forma, projetos como a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) são tentativas de promover os interesses chineses no exterior, construindo obras de infraestrutura mundial e tendo controle sobre elas.

O apoio morno de Zheng aos direitos humanos também é preocupante. Desde a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos (Viena, 1993), esses direitos são considerados universais e indivisíveis. Em outras palavras, os estados não podem frustrar os direitos humanos alegando adaptá-los às “histórias, tradições e condições” locais, nem alegando que “garantir uma boa vida às pessoas é o maior direito humano”. No entanto, é exatamente isso que a China tem buscado fazer, talvez porque ela sofre constantes acusações de violações aos direitos humanos em Hong Kong, no Tibete e em Xinjiang.

Como um todo, a atuação internacional da China tem sido consistente ao longo das últimas décadas. O país mantém-se ligado aos países em desenvolvimento, mas quer cada vez mais ter sua parcela de poder econômico e militar mundial. O discurso de Han Zheng adota um tom positivo ao exaltar o multilateralismo e propor a cooperação em prol do desenvolvimento sustentável. Todavia, ao não condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia e ao relativizar os direitos humanos, os chineses mostram as contradições em sua política externa.

Íntegra do Discurso

Senhor Presidente,

Colegas,

Atualmente, a situação de segurança internacional é sombria, a recuperação económica carece de dinamismo e o fosso no desenvolvimento está a aumentar. Os desastres naturais e os padrões climáticos extremos estão a aumentar. A ordem global enfrenta múltiplos desafios. Enfrentando mudanças profundas no mundo, nos nossos tempos e na história, o presidente chinês Xi Jinping fez um grande apelo à construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade e apelou à comunidade internacional para construir conjuntamente um mundo com paz duradoura, segurança universal e prosperidade comum, um mundo aberto, inclusivo, limpo e bonito. Desde então, o Presidente Xi Jinping propôs a Iniciativa de Desenvolvimento Global, a Iniciativa de Segurança Global e a Iniciativa de Civilização Global. Estas iniciativas enriqueceram a visão de construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade e traçaram um caminho para a concretização deste objetivo. Cada vez mais países perceberam que todos partilham um enorme interesse na sobrevivência comum e que a unidade e a cooperação são o caminho certo a seguir.

Senhor Presidente,

Colegas,

A tendência histórica de paz, desenvolvimento e cooperação vantajosa para todos é imparável. Com isto em mente, apelo à tomada de medidas nas quatro áreas seguintes.

Em primeiro lugar, devemos defender a equidade e a justiça e salvaguardar a paz e a segurança. A segurança de todos os países está interligada. Na verdade, a segurança de um país tem impacto na de outros países. É importante seguir a visão de uma segurança comum, abrangente, cooperativa e sustentável, e embarcar num caminho para a segurança caracterizado pelo diálogo em vez do confronto, pela parceria em vez da aliança e por resultados vantajosos para todos, em vez de um jogo de soma zero.

Devemos abordar as preocupações legítimas de segurança de todos os países e resolver diferenças e disputas de forma pacífica através do diálogo e da consulta. A comunicação e o diálogo são uma forma importante de alcançar a cooperação em matéria de segurança internacional, e as partes num conflito ou confronto nunca devem esquecer-se disso. A cessação das hostilidades e a retomada das conversações de paz são a única forma de resolver a crise na Ucrânia. A China apoia todos os esforços que conduzam à resolução pacífica da crise na Ucrânia e está disposta a continuar a desempenhar um papel construtivo para a rápida obtenção da paz. A questão palestiniana está no cerne da questão do Médio Oriente. A saída fundamental reside na solução de dois Estados. A China continuará a apoiar o povo palestino na prossecução da justa causa de restauração dos seus legítimos direitos nacionais.

Devemos respeitar a soberania e a integridade territorial de todos os países e observar os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas. A China opõe-se ao hegemonismo, à política de poder, ao unilateralismo e à mentalidade da Guerra Fria. Um pequeno número de países impôs arbitrariamente sanções ilegais e unilaterais, comprometendo gravemente a harmonia e a estabilidade das relações internacionais. A comunidade internacional deveria resistir conjuntamente a tais atos. A China apoia firmemente o povo cubano na sua justa luta para defender a sua soberania e opor-se à interferência externa e ao bloqueio. Apreciamos os esforços de Cuba para combater o terrorismo.

Devemos manter a segurança tanto nos domínios tradicionais como nos não tradicionais. A guerra nuclear não deve ser travada e as armas nucleares não devem ser utilizadas. A China é o único país entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança que prometeu não utilizar primeiro armas nucleares. A China atribui grande importância ao controlo de armas convencionais e concluirá em breve a ratificação do Protocolo das Nações Unidas sobre Armas de Fogo. A China realizará uma cooperação de desminagem nos países da ASEAN nos próximos três anos para ajudá-los a eliminar este perigo o mais rapidamente possível. A China apoia a ONU, com total respeito pelos princípios e práticas de governança de todos os países, ao servir como principal canal na criação de um quadro, padrões e normas de governança de IA amplamente aceitas.

Em segundo lugar, devemos procurar o benefício mútuo, produzir resultados vantajosos para todos e alcançar o desenvolvimento para todos. O desenvolvimento deve ser colocado no centro da agenda internacional e os benefícios do desenvolvimento devem chegar a todos os países e indivíduos de uma forma mais justa. A China continuará a contribuir para a construção de uma comunidade global de desenvolvimento.

Este ano marca o 10º aniversário da Iniciativa Cinturão e Rota apresentada pela China. Mais de 3.000 projetos de cooperação foram lançados no âmbito desta iniciativa. O Expresso Ferroviário China-Europa teve 16.000 serviços de carga em 2022, o que demonstra plenamente a vitalidade da Iniciativa Cinturão e Rota. No próximo mês, a China sediará o terceiro Fórum do Cinturão e Rota para Cooperação Internacional. Avançaremos ainda mais a cooperação do Cinturão e Rota e a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Deveríamos implementar plena e eficazmente o Acordo de Paris. Os países desenvolvidos devem fazer mais para reduzir as emissões e fornecer aos países em desenvolvimento apoio financeiro, tecnológico e de capacitação. A China continuará a perseguir a conservação ecológica numa base prioritária, a promover o desenvolvimento verde e de baixo carbono, a parar de construir quaisquer novos projectos de energia a carvão no estrangeiro, a apoiar vigorosamente outros países em desenvolvimento no desenvolvimento de energia verde e de baixo carbono, e a ajudá-los a construir mais projetos de energia verde. A China continuará a responder ativamente às alterações climáticas.

Terceiro, devemos permanecer abertos e inclusivos e promover a civilização humana. A diversidade de civilizações é um bem inestimável para o desenvolvimento humano; na verdade, a diversidade é uma característica definidora da civilização humana. Diferentes países e civilizações devem prosperar em conjunto, respeitando-se uns aos outros, avançar em conjunto, aproveitando a força de cada um, e procurar resultados vantajosos para todos, perseguindo pontos comuns e deixando de lado as diferenças.

A promoção e proteção dos direitos humanos é uma causa perseguida por todos os países, e garantir uma vida boa às pessoas é o maior direito humano. Dado que os países têm histórias, tradições e condições diferentes, devemos e só podemos explorar um caminho de desenvolvimento dos direitos humanos adequado às nossas condições nacionais, em resposta às necessidades do nosso povo. Deveríamos promover a causa internacional dos direitos humanos através do diálogo e da cooperação, e opor-nos à politização e à duplicidade de critérios, em particular à utilização dos direitos humanos e da democracia como instrumento político para interferir nos assuntos de outros países.

Em quarto lugar, devemos permanecer fiéis ao multilateralismo e melhorar a governança global. A China está firme no apoio ao sistema internacional com a ONU no seu núcleo. A ONU deve fazer progressos em todas as áreas dos três pilares da segurança, do desenvolvimento e dos direitos humanos de uma forma equilibrada, e garantir que todos os países salvaguardam conjuntamente a segurança universal, partilham as conquistas do desenvolvimento e traçam o rumo para o futuro do mundo. Os principais países devem dar o exemplo e cumprir o seu compromisso com o multilateralismo.

No próximo ano, a ONU realizará a Cúpula do Futuro. A comunidade internacional deve seguir a direção de um mundo multipolar e de uma democracia nas relações internacionais, aproveitar esta ocasião para promover reformas em áreas como a paz e a segurança, a economia, as finanças e o comércio de uma forma coordenada, aumentar a representação e a palavra dos países em desenvolvimento, e tornar a governança global mais justa e equitativa.

Senhor Presidente,

Colegas,

Em outubro passado, o Partido Comunista Chinês convocou o seu 20º Congresso Nacional, durante o qual foi traçado um plano inspirador para alcançar o grande rejuvenescimento da nação chinesa em todas as frentes, através da prossecução da modernização chinesa. A modernização chinesa envolve uma enorme população. Tem como objetivo proporcionar prosperidade a todo o povo chinês, promover o avanço ético-cultural e material e alcançar a harmonia entre a humanidade e a natureza e o desenvolvimento pacífico. Ao prosseguir a modernização chinesa, impulsionaremos a paz e o desenvolvimento mundiais e faremos novas e maiores contribuições para o avanço da civilização humana.

A China continua empenhada em abrir-se mais ao mundo. Hoje, a economia chinesa já é parte integrante da economia global. Continuaremos a expandir a abertura de uma forma sistémica, a promover a liberalização e a facilitação do comércio e do investimento, a abrir ainda mais o mercado ao investimento estrangeiro e a proteger os direitos e interesses legítimos dos investidores estrangeiros. Continuaremos a dar um novo impulso ao desenvolvimento económico global e damos as boas-vindas a todos os países para que partilhem as oportunidades e benefícios criados pelo desenvolvimento da China.

A China continua comprometida com uma política externa independente. A independência é a característica definidora da diplomacia da China e o desafio à hegemonia é uma característica distintiva da diplomacia da China. Não importa o estágio de desenvolvimento que atinja, a China nunca praticará a hegemonia e a expansão. A China defenderá os valores comuns da humanidade, ou seja, a paz, o desenvolvimento, a equidade, a justiça, a democracia e a liberdade, e continuará a promover o desenvolvimento pacífico, aberto, cooperativo e comum.

A China continua empenhada em salvaguardar a sua soberania e integridade territorial. Existe apenas uma China no mundo. O governo da República Popular da China é o único governo legal que representa toda a China, e Taiwan tem sido uma parte inalienável do território da China desde os tempos antigos. Ninguém, nenhuma força deve jamais subestimar a firme determinação, a forte vontade ou o poder do povo chinês para salvaguardar a sua soberania e integridade territorial. Realizar a reunificação completa da China é uma aspiração partilhada por todos os filhos e filhas da nação chinesa. Continuaremos a lutar pela reunificação pacífica com a maior sinceridade e o máximo esforço.

A China continuará a ser membro da grande família dos países em desenvolvimento. Sendo o maior país em desenvolvimento, a China é um membro natural do Sul Global. Respira o mesmo que outros países em desenvolvimento e partilha com eles o mesmo futuro. A China está firme na defesa dos direitos e interesses legítimos dos países em desenvolvimento. Apoia e respeita os seus esforços para decidir de forma independente sobre os seus caminhos de desenvolvimento, de acordo com as suas condições nacionais.

Senhor Presidente,

Colegas,

A China trabalhará incessantemente para promover a construção de uma comunidade com um futuro partilhado para a humanidade, a fim de cumprir a missão de um país importante e a responsabilidade pelo futuro da humanidade. A China trabalhará em conjunto com todos os outros países amantes da paz comprometidos com o desenvolvimento para proporcionar um futuro melhor para o mundo.

Obrigado.


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