
A região do Essequibo tem aproximadamente 159.500 quilômetros quadrados, representando cerca de 70% do território da Guiana. Além do tamanho, a região possui um valor estratégico e econômico imenso, tornando-se o centro de uma disputa entre a Guiana e a Venezuela. O que começou como um desacordo da era colonial evoluiu para uma questão geopolítica complexa, envolvendo uma controversa decisão arbitral, discussões na Corte Internacional de Justiça e manobras provocativas por parte dos venezuelanos. A disputa chegou ao auge em 2023, quando um referendo venezuelano supostamente apoiou a incorporação do Essequibo ao território do país. O referendo e as ações subsequentes da Venezuela foram amplamente condenados e geraram temores de um conflito na América do Sul. Contudo, a possibilidade de um conflito armado acabou sendo evitada por meio de negociações diplomáticas, embora o Essequibo continue sendo uma região contestada.
A importância do Essequibo
O Essequibo é fundamental para a integridade territorial e o futuro econômico da Guiana. A região é rica em recursos naturais, incluindo ouro, bauxita, diamantes e outros minerais estratégicos. Também possui vastas reservas de água doce, florestas densas e uma diversificada rede de rios que aumentam seu valor ecológico e hidrológico. Mais recentemente, a região tornou-se essencial para o cenário energético global devido às grandes descobertas de petróleo offshore em sua costa atlântica. Desde 2015, explorações lideradas por empresas multinacionais — principalmente a ExxonMobil — revelaram grandes reservas petrolíferas na área marítima adjacente ao território disputado. Essas descobertas transformaram a Guiana em uma das economias de crescimento mais rápido do mundo, com reservas comprovadas que ultrapassam onze bilhões de barris de petróleo. Grande parte desse petróleo encontra-se no Bloco Stabroek, parcialmente localizado em águas reivindicadas pela Venezuela.
Para os venezuelanos, o Essequibo representa uma possível fonte de revitalização econômica em meio a uma crise prolongada marcada por sanções e declínio econômico. A riqueza natural da região é vista por Caracas como essencial para o desenvolvimento nacional e segurança energética. Além disso, o Essequibo compartilha características geológicas e ecológicas com o Arco Mineiro do Orinoco, uma área próspera de mineração na Venezuela. Isso reforça a crença venezuelana de que o Essequibo é parte de seu próprio território — senão politicamente, então por fronteiras naturais.
Apesar do grande tamanho, o Essequibo é pouco povoado. Abriga cerca de 125 mil habitantes, aproximadamente 15% da população da Guiana. A maioria são comunidades indígenas que vivem em áreas rurais. Essas populações se identificam predominantemente com a Guiana e demonstram pouca ou nenhuma afinidade com as reivindicações venezuelanas.
Com a intensificação da competição por recursos naturais e a alta demanda global por energia e minerais, a relevância geoestratégica do Essequibo provavelmente aumentará.
História da disputa
A disputa pelo Essequibo remonta às rivalidades coloniais do início do período moderno. Durante os séculos XVII e XVIII, o território foi disputado por Espanha e Países Baixos, com ambas as potências estabelecendo assentamentos e postos comerciais na região. No início do século XIX, as colônias neerlandesas Demerara, Berbice e Essequibo passaram ao controle britânico e, em 1831, foram consolidadas no que se tornou a Guiana Britânica.
A Venezuela, independente da Espanha desde 1810, considerava o Essequibo parte de seu território herdado da antiga Capitania Geral da Venezuela. A ausência de fronteiras claramente definidas entre territórios britânicos e venezuelanos gerou crescentes tensões. Em 1840, a Grã-Bretanha encomendou um levantamento fronteiriço ao explorador alemão Robert Schomburgk, cuja proposta demarcatória ficou conhecida como Linha Schomburgk. Os venezuelanos rejeitaram essa proposta britânica por colocar sob controle britânico pontos estratégicos de acesso fluvial, como o Delta do Orinoco.
As tensões aumentaram no fim do século XIX após a descoberta de ouro na área disputada. Em 1887, a Venezuela rompeu relações diplomáticas com a Grã-Bretanha e, em 1895, recorreu aos Estados Unidos invocando a Doutrina Monroe. A posição assertiva do presidente Grover Cleveland forçou um tribunal arbitral em 1899 que decidiu majoritariamente a favor dos britânicos.
Embora a Venezuela tenha aceitado a decisão na época, a insatisfação com o resultado persistiu. Décadas depois, em 1949, um memorando póstumo de um membro da equipe jurídica venezuelano-americana alegou que a decisão arbitral havia sido resultado de um acordo político em vez de um julgamento justo. O memorando afirmou que os árbitros concordaram em conceder por unanimidade uma vitória parcial (porém significativa) aos britânicos, ao invés de atribuir todo o território à Grã-Bretanha por uma votação majoritária com dois juízes discordando. Essa alegação levou a Venezuela a denunciar a decisão arbitral nas Nações Unidas em 1962.
A crescente internacionalização da questão culminou na assinatura do Acordo de Genebra, em 1966, pela Venezuela, pelo Reino Unido e pela Guiana Britânica (pouco antes da independência desta última como Guiana). Esse tratado internacional reconheceu a existência de uma disputa territorial e comprometeu as partes a buscarem uma solução pacífica, prática e mutuamente satisfatória. Contudo, apesar de décadas de negociações, a questão permaneceu sem solução, e a Venezuela continuou a sustentar que a decisão arbitral de 1899 era inválida.
Desde então, a disputa ressurgiu periodicamente, especialmente em momentos de pressão política interna na Venezuela ou quando interesses econômicos no Essequibo ganhavam nova relevância. Tanto a Venezuela quanto a Guiana tentam justificar suas reivindicações territoriais com base nas raízes históricas da disputa.

A escalada das tensões e o caso na CIJ
Apesar do Acordo de Genebra de 1966, negociações entre Venezuela e Guiana não produziram resultados definitivos. A criação de uma comissão mista e, posteriormente, a atuação das Nações Unidas com facilitadores também não conseguiram consenso. Em 2014, a morte do último facilitador da ONU e a declaração do Secretário-Geral de que as negociações bilaterais tinham fracassado marcaram o fim daquela fase de mediação.
As tensões aumentaram novamente em 2015, quando a empresa norte-americana ExxonMobil anunciou grandes descobertas de petróleo em águas guianenses, numa zona marítima disputada. O anúncio veio pouco depois que a Guiana emitiu novas licenças de exploração para empresas internacionais, provocando forte reação de Caracas. O governo venezuelano emitiu um decreto presidencial ampliando suas fronteiras marítimas para incluir as águas disputadas, movimento que a Guiana denunciou como ato de agressão e violação do direito internacional.
Em março de 2018, a Guiana submeteu formalmente uma ação à Corte Internacional de Justiça (CIJ), solicitando que a Corte afirmasse a validade da Decisão Arbitral de 1899 como uma solução “completa, definitiva e perfeita” para a questão fronteiriça entre os dois países. A Venezuela, contudo, recusou-se a reconhecer a jurisdição da Corte. Seu governo insistiu que a CIJ não poderia decidir unilateralmente sobre o tema sem o consentimento de ambas as partes, defendendo que a única via aceitável seria uma negociação bilateral. Em julho de 2018, a Venezuela declarou formalmente que não participaria do processo e questionou a base legal da submissão do caso, argumentando que o Acordo de Genebra exigia consentimento mútuo para submeter a disputa a qualquer instância judicial.
Apesar das objeções da Venezuela, a Corte seguiu adiante. Em dezembro de 2020, emitiu uma decisão preliminar confirmando que possuía jurisdição para julgar o caso, pelo menos quanto à validade da decisão arbitral de 1899 e da fronteira decorrente. Essa decisão representou uma vitória legal significativa para a Guiana e abriu caminho para um julgamento formal e obrigatório sobre o Essequibo.
A escalada coincidiu com o aprofundamento da crise econômica e política da Venezuela. Diante do isolamento internacional e da oposição interna, o governo de Nicolás Maduro enfatizou cada vez mais o tema do Essequibo em sua retórica, apresentando-o como questão de soberania nacional e justiça histórica. A mídia estatal e o discurso oficial venezuelano retrataram o território como parte do patrimônio legítimo da Venezuela, alimentando sentimentos nacionalistas. Além disso, o governo venezuelano começou a realizar ações militares provocativas, detendo embarcações de exploração de petróleo, com o objetivo de perturbar o setor petrolífero guianense.
Em submissões posteriores à Corte, a Guiana defendeu a legitimidade da decisão arbitral de 1899 e da fronteira estabelecida por ela, ressaltando a aceitação histórica do prêmio por várias décadas, incluindo a demarcação conjunta e o controle administrativo contínuo sobre o Essequibo. A Venezuela, ainda distante dos procedimentos, reiterou sua posição em fóruns políticos e diplomáticos, sustentando que a decisão arbitral foi resultado de conluio e pressões políticas inadequadas.
Em 2022, o processo na CIJ avançou. A Guiana apresentou seu memorial escrito, e a Corte concedeu tempo à Venezuela para apresentar contramemorial, caso quisesse participar das discussões. Antecipando uma decisão definitiva, Caracas intensificou seu discurso nacionalista e começou a mobilizar a opinião pública interna. Essa postura venezuelana ressaltava que a disputa não era apenas legal, mas também política.
A crise de 2023 e a Declaração de Argyle
Em 2023, a disputa entre Guiana e Venezuela escalou dramaticamente quando o governo venezuelano organizou um referendo nacional sobre o Essequibo.
Em 1º de dezembro, a CIJ emitiu uma medida provisória ordenando que a Venezuela não tomasse ações que alterassem a situação atual ou interferissem na administração guianense da região. Apesar da decisão provisória da CIJ, Caracas realizou o plebiscito em 3 de dezembro, apresentando cinco questões ao eleitorado venezuelano sobre quais políticas o governo deveria adotar em relação à região. Segundo números oficiais, mais de 95% dos votantes apoiaram as propostas, incluindo a incorporação do Essequibo ao território venezuelano e a concessão da cidadania venezuelana aos seus habitantes. Contudo, a legitimidade do referendo foi amplamente questionada, tanto por seu caráter consultivo quanto pela ausência de votação no próprio território disputado.
Após o referendo, o presidente Nicolás Maduro anunciou uma série de medidas para implementar seus resultados, interpretadas como ameaças diretas à soberania e integridade territorial da Guiana:
- A divulgação de um novo mapa oficial da Venezuela que incorporava a região do Essequibo.
- A criação do estado venezuelano de “Guayana Esequiba”, tendo a cidade de Tumeremo como sua capital administrativa.
- A instalação de uma Alta Comissão para a Defesa da Guayana Esequiba.
- A concessão de licenças para empresas estatais venezuelanas dos setores de petróleo e mineração operarem na região.
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A pedido da Guiana por apoio regional e internacional, a resposta internacional a esses movimentos foi rápida. Diversos países expressaram preocupação com os acontecimentos. Os Estados Unidos realizaram voos militares conjuntos com forças guianenses, sinalizando apoio a Georgetown e à estabilidade regional. O Reino Unido também enviou uma embarcação naval à área. Essas ações foram criticadas pela Venezuela e aumentaram o temor de uma escalada militar. O Brasil, que compartilha fronteiras com ambos os países, adotou postura cautelosa, reforçando a presença militar no norte do país e enfatizando a necessidade de evitar conflito. Além disso, o governo brasileiro ofereceu Brasília como sede para futuros diálogos.
Em resposta à crescente tensão, esforços diplomáticos foram reativados. Em 14 de dezembro, os presidentes da Guiana e Venezuela reuniram-se em São Vicente e Granadinas sob os auspícios da CELAC, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, com participação de líderes regionais, incluindo o assessor especial brasileiro para assuntos internacionais, Celso Amorim. O encontro resultou na Declaração de Argyle para Diálogo e Paz, em que ambas as partes se comprometeram a não usar a força e resolver a disputa conforme o direito internacional. Também concordaram em criar uma comissão conjunta de chanceleres e especialistas técnicos e marcaram um encontro de acompanhamento no Brasil.
Embora a Declaração de Argyle tenha conseguido reduzir temporariamente a crise, a disputa territorial subjacente permanece sem solução. A Venezuela não renunciou às medidas tomadas após o referendo, e a Guiana continua reivindicando seus direitos conforme a decisão arbitral de 1899, aguardando a decisão definitiva da CIJ. Contudo, os eventos de 2023 provavelmente garantiram que a fase mais volátil da disputa pelo Essequibo tenha sido superada. Hoje, é improvável que ocorra um conflito aberto entre venezuelanos e guianenses, mas as tensões podem voltar a aumentar no futuro, especialmente quando a CIJ decidir sobre o mérito do caso.
Conclusão
A disputa pelo Essequibo, com raízes nas fronteiras coloniais e numa decisão arbitral contestada, evoluiu para uma das controvérsias territoriais mais significativas da América Latina contemporânea. Embora a região tenha permanecido relativamente estável por boa parte do século XX, recentes descobertas de petróleo e outros recursos naturais elevaram drasticamente sua importância. O valor econômico do Essequibo transformou uma divergência histórica numa questão geopolítica atual, envolvendo não apenas Venezuela e Guiana, mas também estados vizinhos e potências globais.
À medida que a Corte Internacional de Justiça avança em suas deliberações e ambos os países enfrentam pressões internas e externas crescentes, o futuro do Essequibo dependerá da disposição das partes em respeitar as normas internacionais, realizar negociações e priorizar a construção de um ambiente de paz em detrimento de atos provocativos.
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