
A Santa Sé ocupa uma posição única no direito internacional e nos assuntos globais, funcionando tanto como órgão central de governo da Igreja Católica quanto como entidade soberana com ampla influência diplomática. Ela mantém sua personalidade jurídica internacional e atua na diplomacia global há séculos, mesmo quando privada de soberania territorial. Hoje, a Santa Sé mantém relações diplomáticas formais com quase todos os países do mundo, participa ativamente de inúmeras organizações internacionais e firma acordos internacionais vinculativos, como os concordatas. Valendo-se de sua autoridade espiritual, exerce considerável soft power na mediação de paz, no diálogo inter-religioso, no auxílio humanitário e na defesa dos direitos humanos e da proteção ambiental. As iniciativas diplomáticas da Santa Sé demonstram seu compromisso duradouro em promover o diálogo e a cooperação em um mundo em rápida transformação.
Resumo
- A Santa Sé governa a Igreja Católica e atua como uma entidade soberana nos assuntos globais.
- Ela possui um status internacional jurídico sui generis único, distinto do Estado da Cidade do Vaticano.
- Sua soberania é historicamente reconhecida e não depende de território.
- Atualmente, mantém relações diplomáticas formais com 184 estados soberanos.
- Assina acordos internacionais vinculativos, incluindo tratados específicos chamados concordatas.
- Participa ativamente da diplomacia multilateral, notadamente como Estado Observador Permanente na ONU.
- É signatária de importantes convenções internacionais sobre direitos humanos e direito humanitário.
- Exerce influência global por meio da mediação de paz, diálogo inter-religioso e esforços de auxílio humanitário.
- Sua atuação se concentra fortemente na defesa dos direitos humanos, incluindo migrantes e refugiados, e da proteção ambiental, como exemplificado na encíclica Laudato si’.
- Recentemente, os esforços diplomáticos da Santa Sé incluem o aprimoramento das relações com a China e o estabelecimento de laços com Omã em 2023.
O Status da Santa Sé no Direito Internacional
A Santa Sé representa o órgão central de governo da Igreja Católica, liderado pelo Papa como Bispo de Roma. É essencial diferenciar a Santa Sé do Estado da Cidade do Vaticano. Embora às vezes confundidos, são entidades distintas no direito internacional. Historicamente, o Papa governava territórios significativos conhecidos como Estados Pontifícios. Contudo, após a unificação da Itália, esses territórios foram perdidos em 1870. Apesar de ter ficado sem território por quase sessenta anos, a Santa Sé continuou exercendo sua personalidade jurídica internacional, mantendo relações diplomáticas e atuando no cenário mundial. Esse período demonstrou que sua soberania não estava intrinsecamente atrelada ao território.
A situação foi formalmente resolvida em 1929 com o Tratado de Latrão entre a Santa Sé e a Itália. Esse acordo reconheceu a soberania da Santa Sé na esfera internacional e criou o Estado da Cidade do Vaticano. O Estado da Cidade do Vaticano serve como um pequeno território independente projetado para garantir a liberdade e a autonomia da Santa Sé em sua missão global, fornecendo uma localização física, mas distinta da própria Santa Sé, que atua como o órgão de governo da Igreja mundial.
O direito internacional reconhece amplamente a Santa Sé como entidade soberana com personalidade jurídica internacional, o que significa que possui direitos e deveres comparáveis aos dos Estados. Seu status é frequentemente denominado sui generis — único ou “de sua própria natureza”. Isso reflete suas características distintivas: ela não atende aos critérios tradicionais de estatalidade baseados principalmente em território e população, mas desfruta de reconhecimento soberano. Sua personalidade jurídica deriva fundamentalmente de seu papel histórico de longa data, de sua autoridade espiritual global e de sua governança da Igreja Católica no mundo inteiro, mais do que da base territorial proporcionada pelo Estado da Cidade do Vaticano.

A Rede Diplomática da Santa Sé
O status reconhecido da Santa Sé como entidade soberana no direito internacional lhe confere plena capacidade para estabelecer relações diplomáticas formais com Estados e outros atores internacionais, bem como autoridade para firmar acordos internacionais vinculativos. Uma categoria distinta de tratado bilateral celebrado pela Santa Sé é o concordato. Esses acordos formais são negociados com Estados individuais para definir o status jurídico e os direitos da Igreja Católica dentro do território nacional, abordando temas como liberdade religiosa, nomeação de bispos, propriedade da Igreja, educação e reconhecimento do matrimônio. Concordatas representam arranjos históricos e jurídicos importantes nas relações Igreja-Estado, podendo, conforme o ordenamento constitucional do país, interagir ou influenciar o direito interno. Para além dos concordatas, a Santa Sé participa de uma ampla gama de acordos internacionais, comparáveis aos firmados pelos Estados, abrangendo diversas áreas de interesse mútuo e relevância global.
O centro operacional da política externa e das atividades diplomáticas da Santa Sé é a Secretaria de Estado, especialmente a Seção para Relações com Estados e Organizações Internacionais, que funciona de maneira semelhante a um ministério das Relações Exteriores. Por meio desse aparato, a Santa Sé mantém uma extensa rede diplomática global. Em início de 2025, mantém relações diplomáticas plenas com 184 Estados soberanos, abrangendo praticamente todo o planeta e incluindo nações com sistemas políticos e contextos religiosos muito diversos. Além disso, mantém relações diplomáticas formais com a União Europeia e com a Ordem Soberana e Militar de Malta. A amplitude dessas relações se reflete na presença em Roma de aproximadamente 90 embaixadas residentes acreditadas especificamente junto à Santa Sé. Os representantes diplomáticos papais junto a governos estrangeiros e organizações internacionais são conhecidos como Núncios Apostólicos. Esses diplomatas exercem dupla função: atuam como embaixadores da Santa Sé no país anfitrião, desempenhando funções diplomáticas tradicionais, e também como representantes do Papa para a hierarquia e a comunidade da Igreja Católica no país, servindo de elo entre a Igreja local e Roma.
Além dos compromissos bilaterais, a Santa Sé é participante ativa da diplomacia multilateral. Ela detém o status de Estado Observador Permanente na Organização das Nações Unidas, posição que ocupa desde 1964. Esse status único permite ampla participação: seus delegados podem comparecer e discursar em reuniões da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança (quando relevante) e do Conselho Econômico e Social; participam da redação e negociação de tratados internacionais sob os auspícios da ONU em igualdade de condições com os Estados membros; e acompanham de perto o trabalho de diversos órgãos da ONU por meio das Missões de Observador Permanente em Nova Iorque e Genebra. A Santa Sé optou pelo status de observador em vez da filiação plena à ONU principalmente para preservar sua neutralidade política, permitindo engajamento em questões humanitárias e morais sem se envolver em alinhamentos ou disputas políticas específicas. Além disso, sua atuação se estende a inúmeros outros organismos internacionais. É membro pleno de organizações como a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) e União Internacional de Telecomunicações (UIT). Detém também status de observador em várias outras, incluindo a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a UNESCO.
O compromisso da Santa Sé com a ordem jurídica internacional é evidenciado ainda por sua adesão a um número substancial de tratados multilaterais. É parte de importantes convenções internacionais em diversos campos, incluindo acordos fundamentais de direito humanitário internacional (como as Convenções de Genebra), controle e desarmamento de armas (como o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares), direitos humanos, proteção do patrimônio cultural (incluindo a Convenção do Patrimônio Mundial), propriedade intelectual e regulamentação das comunicações. Em direitos humanos especificamente, a Santa Sé ratificou vários tratados centrais da ONU, notadamente a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT), a Convenção sobre os Direitos da Criança (CRC) e a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (CERD). Ao tornar-se parte desses instrumentos, a Santa Sé aceita a obrigação de cumprir seus padrões e submete suas práticas relevantes à revisão periódica.
A Influência Global da Santa Sé
A Santa Sé utiliza sua posição singular e autoridade moral para exercer influência nos assuntos internacionais, frequentemente atuando como facilitadora da paz, defensora da dignidade humana e do bem comum, e promotora do diálogo. Uma de suas funções mais reconhecidas é a mediação diplomática e a promoção discreta de negociações de paz. A história oferece exemplos contundentes de seu sucesso nessa área. A intervenção solicitada tanto pela Argentina quanto pelo Chile no final dos anos 1970 evitou uma possível guerra pelo Canal de Beagle; por meio de anos de mediação paciente liderada pelo Cardeal Antonio Samorè sob o mandato do Papa João Paulo II, as partes chegaram ao Tratado de Paz e Amizade de 1984. De modo semelhante, a Santa Sé, especialmente sob o Papa Francisco, desempenhou um papel indispensável nos bastidores para facilitar a comunicação entre Estados Unidos e Cuba, utilizando seus canais diplomáticos e “bons ofícios” para sediar reuniões cruciais em 2014 que contribuíram diretamente para a normalização das relações entre as duas nações longamente afastadas. Embora o sucesso de mediações diretas dependa muito da disposição das partes conflitantes, a Santa Sé defende de modo consistente o diálogo, a negociação e a resolução pacífica de conflitos no mundo todo, em uma atuação frequentemente chamada de “diplomacia da esperança”.

Vinculada de perto aos esforços de construção da paz está a atuação dedicada da Santa Sé na promoção do diálogo inter-religioso. Reconhecendo que o entendimento e a colaboração entre diferentes religiões são essenciais para a paz e a estabilidade global, Papas e dicastérios (departamentos) vaticanos vêm priorizando cada vez mais a construção de pontes com líderes e comunidades de outras religiões do mundo. Isso envolve a organização de conferências conjuntas, emissão de declarações comuns contra a violência e o extremismo, realização de debates teológicos e promoção de projetos cooperativos destinados a incentivar valores compartilhados como paz, justiça e cuidado ambiental. Esses esforços buscam contrapor conflitos motivados por questões religiosas e aproveitar o potencial positivo das diferentes fés atuando juntas pelo bem comum.
A defesa de questões globais urgentes constitui outro pilar da atuação internacional da Santa Sé, frequentemente centrada na defesa da dignidade humana. Isso inclui apelos constantes pelo reconhecimento e proteção universais dos direitos fundamentais, com ênfase especial na liberdade religiosa para todos. Sob o Papa Francisco, a situação de migrantes, refugiados e vítimas de tráfico humano recebeu atenção permanente. Inspirando-se frequentemente em sua própria origem familiar como filho de imigrantes, Francisco reiteradamente pede aos países que adotem políticas mais acolhedoras e voltadas para a integração, condenando a xenofobia e a indiferença, e enfatizando a obrigação moral de ajudar quem foge da guerra, pobreza ou perseguição. A Santa Sé apoiou ativamente a elaboração dos Pactos Globais da ONU para Migração e Refugiados, buscando inserir princípios de dignidade humana e responsabilidade compartilhada nos marcos internacionais que regem a mobilidade humana.
A atuação da Santa Sé se estende significativamente para as questões ambientais, articulada de forma marcante na carta encíclica de 2015 do Papa Francisco, Laudato si’, Sobre o Cuidado da Casa Comum. Esse documento apresentou um arcabouço moral e espiritual abrangente para compreender os desafios ambientais, defendendo uma “ecologia integral” que conecta o bem-estar do planeta à justiça social e à promoção humana. Criticou o consumismo e o desenvolvimento irresponsável, pediu ações urgentes diante das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade, e clamou por uma mudança global rumo a estilos de vida e economias mais sustentáveis. Laudato si’ elevou de modo significativo o perfil das questões ambientais na Igreja Católica e ofereceu uma voz ética distinta às negociações internacionais sobre clima e discussões de sustentabilidade, enfatizando que o cuidado da terra é inseparável do cuidado com a humanidade, especialmente os pobres.
Para além dos pronunciamentos diplomáticos, a Santa Sé inspira e apoia vastas redes de ação humanitária realizadas por organizações católicas ao redor do mundo. Embora a própria Santa Sé possa prestar ajuda emergencial direta por meio de obras de caridade papais, seu impacto mais amplo reside em animar o trabalho global de entidades como a Caritas Internationalis: uma confederação de organizações católicas de assistência, desenvolvimento e serviço social presentes em mais de 200 países e territórios. A Santa Sé supervisiona ainda inúmeras ordens religiosas dedicadas à saúde, educação e assistência social. Esses esforços prestam assistência essencial a populações vulneráveis afetadas por conflitos, desastres naturais, pobreza e doenças, representando uma expressão prática significativa da preocupação global da Santa Sé com o bem-estar humano.
Além disso, a Santa Sé pratica uma forma de diplomacia cultural por meio de instituições singulares. A Biblioteca Apostólica Vaticana e o Arquivo Secreto Vaticano abrigam coleções inestimáveis que documentam séculos de história, arte e cultura humanas, funcionando como importantes centros de pesquisa acadêmica internacional. Os Museus Vaticanos recebem milhões de visitantes de todo o mundo, exibindo um patrimônio artístico sem igual. Diversas Academias Pontifícias reúnem especialistas internacionais em áreas que vão das ciências exatas às ciências sociais e à vida, promovendo o diálogo entre fé e razão em questões contemporâneas. Essas instituições facilitam o intercâmbio cultural e o engajamento intelectual, contribuindo para a presença da Santa Sé no cenário cultural global.
No que diz respeito a engajamentos diplomáticos recentes e específicos, a relação com a República Popular da China permanece um foco fundamental. O Acordo Provisório de 2018 sobre a nomeação de bispos, prorrogado diversas vezes (mais recentemente em outubro de 2024 por mais quatro anos), continua orientando os esforços para normalizar a vida da Igreja Católica na China, embora o processo ainda seja delicado e laços diplomáticos formais não tenham sido estabelecidos. De fato, a Santa Sé ainda mantém relações diplomáticas formais com a República da China (Taiwan), o que reflete uma situação geopolítica complexa. Um passo recente significativo na ampliação de seu alcance diplomático foi o estabelecimento de relações diplomáticas plenas com o Sultanato de Omã em fevereiro de 2023, demonstrando o esforço contínuo para construir pontes e fomentar o diálogo, especialmente no mundo islâmico.
Conclusão
O status jurídico e as atividades diplomáticas da Santa Sé a destacam como uma entidade singular no direito internacional, reconhecida por seu engajamento robusto com a comunidade global. Sua soberania permite manter uma vasta rede diplomática, influenciar acordos internacionais e contribuir de maneira significativa para o trabalho de organizações multilaterais. Por meio da mediação de conflitos, defesa dos vulneráveis, promoção do entendimento inter-religioso e apoio a iniciativas humanitárias e culturais, a Santa Sé demonstra continuamente sua capacidade de influenciar os assuntos mundiais além dos limites do conceito tradicional de Estado. Ao navegar por cenários geopolíticos complexos, seu compromisso com o diálogo, a paz e o bem comum permanece inabalável. As atividades diplomáticas da Santa Sé garantem que ela continue sendo uma voz proeminente e respeitada no cenário internacional, engajando-se com desafios globais prementes ao mesmo tempo em que mantém seus valores perenes.
Deixe um comentário